Questões 1 e 2
Bernard Manin na obra “As metamorfoses do governo representativo”, elabora uma arqueologia do governo representativo, dividindo-o em três momentos: Parlamentarismo; Democracia dos partidos e Democracia do público. Por meio da análise de cada um destes momentos, contribuiu transformações sofridas pela forma da representação ao longo de sua constituição, mas também com informações sobre o papel exercido pelos meios de comunicação para o desenho da representação.
No Parlamentarismo, segundo o autor, a escolha do representante estava relacionada à confiança e aos vínculos locais do candidato, sendo que os eleitos eram sempre os “Notáveis”. O representante eleito votava na Assembléia conforme sua consciência. Não existia uma relação direta entre a opinião pública e a expressão eleitoral. As discussões entre os representantes estavam restritas ao Parlamento. Este modelo se esgotou a partir da ampliação do corpo eleitoral e de um vasto número de cidadãos que passaram a ter o direito do voto.
Por outro lado, a denominada Democracia dos Partidos surgiu em decorrência do aumento do eleitorado, gerado pela extensão do direito de voto, que impediu, assim, o povo de manter relações pessoais com seus representantes. Os cidadãos passavam a votar não mais em quem conheciam, mas em um partido. Os partidos políticos, juntamente com as suas burocracias e sua rede de militantes, surgiram exatamente para mobilizarem esse eleitorado mais numeroso. O fenômeno da estabilidade do comportamento. Por outro lado, essa estabilidade eleitoral deriva, em grande medida, da determinação das preferências políticas por fatores socioeconômicos. Neste tipo de governo as clivagens eleitorais refletem as divisões de classe, até porque os setores sociais que se manifestam por meio das eleições estão em conflito entre si, em conseqüência de uma realidade social existente antes da política. Assim, a representação, fundamentalmente, passa a ser uma conseqüência da estrutura social.
Outro aspecto que também influencia a estabilidade do comportamento dos eleitores é o fato de, nesse tipo de governo representativo, serem os partidos que organizam tanto a disputa eleitoral quanto os modos de expressão da opinião pública (manifestações de rua, petições, campanhas pelos jornais). Os vários órgãos de imprensa mantêm laços com um dos partidos políticos, gerando assim, uma imprensa politicamente orientada, o que faz com que as pessoas escolham a sua fonte de informação de acordo com as suas inclinações partidárias. Como conseqüência, os fatos ou assuntos são percebidos pela ótica do partido em que votam.
Concluindo, o autor sugere que o que está em declínio “são as relações de identificação entre representantes e representados e a determinação da política pública por parte do eleitorado”. São estas modificações, no próprio campo político, que geram uma nova metamorfose do modelo de governo representativo elaborado por Manin, denominado de Democracia do Público.
Antes as preferências políticas podiam ser explicadas pelas características sociais, econômicas e culturais dos eleitores, neste momento a do governo do público, os resultados eleitorais tendem a variar significativamente de uma eleição para a outra, ainda que se mantenham inalteradas as condições socioeconômicas e culturais dos eleitores. Nesta etapa, diz ele, observa-se o declínio dos partidos e dos programas partidários, pois se transferiu a posição de principal fórum de debates do partido e do Parlamento para os meios de comunicação e, nesse processo, os candidatos passaram a cortejar o eleitor diretamente por meio dos meios de comunicação de massa, dispensando a mediação da rede de militantes do partido e estabelecendo uma nova relação entre políticos e eleitores por meio do uso intensivo de técnicas de comunicação que enfatizam a personalidade do candidato.
A personalidade dos candidatos parece ser um dos fatores essenciais na explicação dessas variações: a existência de um eleitor sem vínculos partidários e que tende a votar de acordo com os problemas e questões postas em jogo em cada eleição e não em programas político/partidários acabou gerando o que se caracteriza como “volatilidade do voto”, ou seja, as pessoas tendem a votar de modo diferente de uma eleição para outra, dependendo da personalidade dos candidatos e dos temas importantes postos em debate. Cada vez mais os eleitores tendem a votar em uma pessoa, e não em um partido, em decorrência da presença das mídias no campo político, o que tem aumentando, conseqüentemente, a importância dos fatores pessoais no relacionamento entre o representante e o seu eleitorado.
Nessas novas circunstâncias, de eleitores volúveis orientados pelos assuntos, há maior necessidade de informação acurada sobre a agenda programática dos representantes. A dependência do noticiário de TV tem sido acusada de ter ajudado a erodir o sistema eleitoral, pois os candidatos estariam sendo forçados às banalidades da política da imagem realçados pelo noticiário de televisão, ou seja, a mídia (em especial a TV) contaminou a política impondo sua organização e dinâmica.
Outra característica da Democracia do Público é que os canais (jornal, televisão, rádio e institutos de sondagem), onde se forma a opinião pública, são relativamente neutros, no sentido de não estarem diretamente ligados a partidos políticos em competição, embora possam apresentar preferências políticas.
Questão 3
A neutralidade relativa das mídias na democracia do público é um contraponto para a falta de neutralidade na democracia dos partidos, em que os meios de informação estavam atrelados aos partidos. Manin argumenta que atualmente isto não acontece, pois as informações são veiculadas pelos diferentes meios de forma homogênea, não existindo uma diferença gritante entre o que é noticiado em um ou outro veículo.
Concordo com Manin porque embora os indivíduos formem opiniões divergentes sobre os objetos políticos, estas opiniões são construídas sobre elementos identicamente apresentados a todos e são percebidas de forma relativamente homogênea. Isso permite que a identificação entre eleitor e candidato se forme a partir de preferências sobre os objetos e não a partir de preferências partidárias. Uma conseqüência desta relativa neutralidade na divulgação de informações é a volatilidade do voto, a existência de um novo eleitor indeciso: o sujeito informado, interessado pela política e relativamente instruído. Em função da amplitude do número de eleitores e de temas, os representantes ou candidatos têm que debater no público, constituindo, desse modo, um novo local para a apresentação dos políticos e para o debate: as mídias.
Com isso, tanto no Brasil como em outras democracias, a mídia gera espaço aberto, em que o poder da TV e outros meios de comunicação se irradiam sem contra poderes visíveis, colocando em jogo as estruturas e as formas de ação da política e influenciando no cenário da política que passaram a caracterizar as novas democracias.
Liliane Ribeiro do Santos